
Passamos a vida a tentar ser perfeitos... quando era criança e o meu brinquedo se partia, o mundo dava-me um novo quase de seguida, chorava, mas depois voltava a sorrir, claro isto porque eu tinha essa sorte, outros já não tanto, mas esses outros não viveram no embuste sobre o qual eu estive presente durante muito tempo e agora eles sabem como é a vida e sabem como lutar, eu não, porque ninguém me preparou, até porque a educação é algo que passa de geração para geração, claro que sofre reformas, essas são necessárias, mas há padrões que se mantêm e no meu caso foi o estar habituado a obter coisas facilmente, sem ter de me esforçar por elas, de facto o mimo deve ser o grave problema de uma família que apenas só se preocupa com aspectos fúteis e com o respeito ou o como saber comer a mesa, usar os talheres apropriados ou um registo de língua cuidado.
Hoje sobrevivo sozinho, ando a descobrir a realidade pelo meu próprio pé, até porque a consciência de uns já vai ficando descaracterizada, repare-se na minha figura paterna, afirma que está sem beneficios monetários, que a vida está complicada e temos de nos apertar, temos de tomar decisões e cortar em coisas, pois mais tarde as coisas hão-de melhorar. Eu olho para mim, vejo-me a trabalhar, a dormir pouco, doi-me o corpo, estou cansado, eu olho para ele, sem emprego, afirmando que não tem dinheiro, contudo não o vejo procurar um trabalho, em vez disso vejo-o negar-me boleia para o trabalho sabendo que estou atrasado com a desculpa de que se me levar já não aproveita nada do seu dia de praia, já não tem possibilidade de ir para lugares longinquos em que o sol abunda e as pessoas ficam com a pele escurecida devido às radiações solares, vejo-o pregar-me mentiras dizendo que vai para o Sul para casa de familiares, enquanto vejo fotos do mesmo em locais em que a estadia é paga e que por acaso eu conheço bem, visto que passava lá as minhas férias em criança... ninguém nos prepara para isto, ninguém nos prepara para o engano ou mentira que é a vida.
Como se não bastasse eu tenho de lidar com os meus problemas, tenho de lidar com os problemas que me vão gerando, sim porque eles são a causa prioritária dos meus problemas, uma familia irresponsável, agora eu não tenho vida própria e mais uma vez aos meus dezoito anos, estou irreversívelmente parado no tempo, as minhas aspirações pararam no tempo, pedi ajuda a essas figuras patentes desde a minha existência, pedi apoio e agora o que eu vejo, não é apoio são pontapés atrás de pontapés no cansaço físico e psicológico que se vai abatendo sobre mim.
Eu dou parte de mim aos outros, às vezes esqueço-me de mim próprio só para poder oferecer o meu tempo às pessoas que amo, depois quando descubro coisas chega quase a ser tarde como por exemplo o facto de estar doente, aí já é tarde demais, aí já tenho atenção, mas nem a atenção pode ser suficiente, porque bem eu já tenho dezoito anos, tenho de saber ultrapassar barreiras sozinho, tenho de saber dirigir-me a um hospital sozinho, sim porque as pessoas têm tempo limitado e quando o veternário chama é necessário ir ver como estão os animais, e eu tenho de ir para o hospital sozinho, até porque a vida de um bovino, ultrapassa a vida de um ente familiar.
Onde fiquei eu? Não sei, mas talvez um dia eu diga adeus a tudo e já que estou sozinho nesta luta, comece a lutar pela minha vida em vez de lutar por uma familia.
Gonçalo Camões
6/08/2010
P.S.
Tenho saudades da minha avó, ela dava valor à familia.
6/08/2003 - Estarás sempre comigo avó.
Dedico-te o meu sorriso.