quinta-feira, 3 de junho de 2010

Decadência.


Sentei-me no café amargurado por uma vida de mentiras e injúrias. Apetece-me um cigarro para acompanhar o café, mas nem dinheiro para comprar um maço de tabaco tenho. Vou ter de me contentar com a bebida.
A esta hora devia estar sentado numa sala a dissertar Cesário Verde e as suas aspirações, mas já nem estofo tenho para as minhas quanto mais para as de outros. Pus-me a pensar na minha vida...
Há três anos atrás recebia uma chamada do célebre Liceu Camões questionando-me que disciplinas pretendia. Lembro-me como se fosse hoje, os meus olhos encheram-se de alegria e eu comecei aos pulos na Baixa, quem por ali passasse certamente acharia que eu estava a ter um ataque de espamos ou simplesmente que eu era mais dos neuróticos que por ali andava. O que as pessoas não sabiam é que aquilo significava muito mais para mim do que para um simples aluno com uma vida normal. Iria iniciar um novo capítulo da minha vida, num sítio novo e onde tudo me era desconhecido e acima de tudo ninguém conhecia a minha pesssoa ou o meu passado, só existiria um registo escolar exemplar e esse só chegaria aos professores. A esperança surgiu-me de novo, surgiu como um escape, Lisboa era um escape para fugir aos meus problemas, à vida que eu tinha em casa. Saiu-me o tiro pela colatra!
Três anos mais tarde aqui estou eu: uma mente inteligente pouco elucidada pelo desafogo de outros. A minha vida não melhorou, piorou de uma forma exacerbadamente tormentosa, deixou-me melancólico, fez-me sentir um falhado e, por mais que outros que nada tinham a ver com a minha vida me terem tentado ajudar, eu nunca atingi os objectivos que tinha nem nunca contentei a esperança que outros depositavam em mim. Sinto-me verdadeiramente um falhado, sinto que a vida me venceu e por esta hora já verto as lárgimas. Já nem a poesia, algo que aprendi a gostar no Camões, graças à tão minha querida professora Cristina Duarte, por quem nutro um enorme carinho, já nem poesia me absorve... olho para as linhas e as palavras não me saiem, as ideias são fuscas e o meu coração pára de bater... foi-se-me o sentimento, até a poesia me deixou.
Aos dezoito anos eu devia estar a viver o meu sonho, outros deviam proporcionar-me seguranças, ajudar-me a atingir os meus objectivos. Aos dezoito anos não tenho nada certo, não tenho uma única coisa que desejasse concretizada e essa realidade parece-me cada vez mais distante.
Há três anos eu ainda sorria, agora só choro. Há três anos eu acabei o terceiro ciclo com distinção, melhor aluno da turma e da escola, agora reprovei sem dó nem piedade e sou capaz de reprovar outra vez, serei um asno? Não. Não sou, simplesmente o meu corpo e a minha mente já não têm capacidade de vencer os obstáculos, estão demasiado cansados, pareço um moribundo e não estou a exagerar.
Depois destes todos males feitos o que é que eu ainda posso esperar da vida? Eu não tenho nada certo e quando julgo que as coisas se vão endireitar vem uma onda familiar e joga fora as minhas esperanças. Corrói-me, deteriora-me levando-me quase à destruição total. E eu fico neste impasse, rezando para que sobreviva mais um dia.
Tenho de voltar para a escola, para o Liceu Camões, tenho de ir enfrentar os problemas, até tenho vergonha de lá pôr os pés, tenho de ir sozinho, porque outros que me geram problemas, que maltratam a minha pobre alma não dão a cara. Vou limpar as lágrimas e erguer-me.
No final ajustam-se as contas e para o meu lado as coisas não parecem muito abonatórias.
Vou erguer-me e voltar a passar por esta rua onde à três anos atrás a vida me pareceu sorrir, agora é diferente. As folhas das árvores já caíram e a verdade nua e crua ficou à mostra.

Gonçalo Camões
2/06/2010

1 comentário:

  1. Porra sinto-me tal e qual!


    Desculpa esta invasão dos teus espaços mas como fui de encontro ao teu facebook, acabei por vir aqui parar!
    E a realidade é que estou feliz por tal casualidade, o teu blog faz me ver muitas das minhas inseguranças. Quase como se os teus desabafos fossem primos dos meus!

    Desculpa mais uma vez esta audácia de fazer parte do teu mundo a mim desconhecido, mas foi mais forte do que a vontade de o negar! :)

    ResponderEliminar